05/06/2008 · 10:48

Condecoração por seis décadas (veja o vídeo)

Unisinos outorga título de professor emérito a Carlos Roberto Cirne Lima em reconhecimento à destacada trajetória acadêmica no campo da Filosofia

Texto: Lia Luz
Imagens: Renata Stoduto

As quase seis décadas de Carlos Roberto Cirne Lima dedicadas à Filosofia, uma das quais somente durante os finais de semana e às noites, não por vontade própria, mas por imposição da Ditadura Militar, serão condecoradas, na sexta (6/6), às 10h, com a outorga, pelo Conselho Universitário da Unisinos, do título de professor emérito, em reconhecimento a sua destacada trajetória acadêmica e a sua decisiva influência intelectual no âmbito nacional e internacional.


Pátio de Heráclito, na Unisinos, foi concebido por Cirne Lima

Pátio de Heráclito, na Unisinos, foi concebido por Cirne Lima

 


Cirne Lima, como é conhecido no meio, nasceu em 1º de junho de 1931, filho de Maria Velho Cirne Lima e do eminente jurista Ruy Cirne Lima, ex-diretor da Faculdade de Direito da Ufrgs e um dos pupilos do padre Werner, que dá nome ao Anfiteatro da universidade. Com um pai ultracatólico, como ele mesmo diz, acabou entrando para o seminário jesuíta, na Alemanha, aos 16 anos, onde permaneceu até os 28 e estudou três anos de Filosofia e quatro de Teologia, complementados com os estudos na Universidade de Viena, uma instituição laica.

No seminário, teve aulas com o professor Karl Rahner, um dos maiores teólogos do século passado, com quem teve fortes discussões sobre o conceito de Deus e da igreja. “Preparávamos os documentos para o Concílio Vaticano II, e não concordava com as concessões que ele fazia. Passamos uma noite inteira debatendo. Na manhã seguinte, pedi meu desligamento do seminário, que só foi se efetivar cerca de um ano e meio depois”, recorda ele.

Cirne Lima, então, começa sua carreira de professor, na Universidade de Viena, onde ficou por cinco anos, até 1965. No ano seguinte, passa a lecionar na Ufrgs. No furor dos movimentos sociais de 1968, faz a sua Livre Docência naquela instituição, com defesa pública tumultuada, coincidindo com a invasão da Faculdade de Filosofia por estudantes. A delicada situação política faz com que a sua permanência por lá seja abreviada, com a imposição de aposentadoria compulsória decretada pelo Regime Militar em 69.

Impossibilitado de lecionar, se dedica às atividades empresariais, devorando os livros de Filosofia nas horas vagas. Retorna ao magistério em 1979, na Ufrgs, onde se torna professor titular em 1984 e permanece até 1991, quando vai para a Pucrs. Em 2000, ingressa no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos, com o qual seguirá contribuindo. Em termos acadêmicos, um dos maiores legados que deixa à Filosofia é a organização de um sistema neoplatônico e neohegeliano, pelo qual afirma haver um sistema único que agrupa toda a Filosofia, discordando da pluralidade de sistemas defendida por muitos outros filósofos. “Tem de haver um pensamento abrangente, que junte todos eles”, reforça.

Para explicar a importância da Filosofia, presente na base de qualquer grande decisão da sociedade, traz à tona um assunto que esteve nas manchetes da imprensa: o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias. Segundo ele, a decisão de aprová-las poderia ter tomado outro rumo, por conta de um entendimento errado, na visão dele, do momento em que começa a vida humana. “Se começa na junção do espermatozóide com o óvulo, a natureza é então homicida, pois inúmeras alterações normais resultam na não-fixação desse óvulo fecundado no útero”, justifica. “Para mim, a vida humana começa bem mais tarde”, diz. Assim como fala de células-tronco embrionárias, num piscar de olhos decorre sobre coeficiente de Gini e curva de Galles para afirmar por que a inflação é um mal macroeconômico extremamente antiético. “Ela torna o pobre mais pobre e o rico mais rico, aumentando cada vez mais a distância entre eles”, resume.  

Atento aos novos recursos multimídias, Cirne Lima inovou ao editar o primeiro CD-ROM de filosofia brasileiro, intitulado Dialética para todos, o qual apresenta de uma forma didática e interativa suas idéias sobre dialética e sistema filosófico, da tradição clássica até os dias atuais, com uma abordagem que inclui a contemporânea discussão sobre a teoria de sistemas e a teoria da evolução. A capa do CD é o Pátio de Heráclito, obra de arte concebida por ele e  executada por sua mulher, a artista plástica Maria Tomaselli, Alípio Lippstein, Maurício S. Neves e Carlos Dohrn. Trata-se de um pátio, situado na Unisinos, que ensina filosofia: o jorro de água no meio representa o conceito de Heráclito (filósofo grego, 540-476 a.C.), de que tudo muda, passa e corre, sempre recomeçando, sem nunca parar. Assim é Cirne Lima, alguém que nunca pára. “Manterei a Filosofia para o resto da vida”, finaliza.

Carlos Roberto Velho Cirne Lima

Nasceu em Porto Alegre, em 1º de junho de 1931, filho de D. Maria Velho Cirne Lima e do eminente jurista Ruy Cirne Lima, ex-diretor da Faculdade de Direito da Ufrgs. É casado com a artista plástica Maria Tomaselli Cirne Lima. Graduado em Filosofia pela Berchmannskolleg Pullach Bei Muenchen (1952), Alemanha, tem doutorado na área pela Universität Innsbruck (1959), Áustria, pós-doutorado na Universidade de Viena, na Áustria (1965), e livre-docência pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, (1968).

Carlos Cirne Lima recebendo homenagem prof. Emérito Unisinos

  Carlos Cirne Lima e colegas na homenagem prof. Emérito Unisinos