Zero Hora, 20 de maio de 2006 Caderno Cultura:
tiburi

a caverna de platão

Imagens criadas pela artista plástica Maria Tomaselli e equipe compõem o CD-ROM "Dialética para Todos". Acima, o mito da caverna, de Platão

Filosofia
Vontade de filosofar

Dialética para Todos, o CD-ROM que acaba de ser lançado pelo filósofo e professor gaúcho Carlos Cirne Lima, torna palatável para qualquer gente um dos mais complexos temas da disciplina filosófica, geralmente difícil até mesmo para filósofos profissionais. Amparado em animações, o disco, de quebra, ainda lança uma especializada teoria sobre a dialética

 

MÁRCIA TIBURI / Filósofa e escritora, autora de Filosofia Cinza, entre outros livros, escreve:

Dialética para Todos, o CD-ROM que acaba de ser lançado pelo filósofo e professor gaúcho Carlos Cirne Lima, torna palatável para qualquer gente um dos mais complexos temas da disciplina filosófica, geralmente difícil até mesmo para filósofos profissionais. Amparado em animações, o disco, de quebra, ainda lança uma especializada teoria sobre a dialética

Quem não simpatizar muito com conceitos e idéias pode abrir o CD Dialética para Todos e regalar-se com a fantástica produção gráfica feita por Maria Tomaselli, Alípio Lipstein e Maurício Santos, ouvindo a música gostosa do Carlos Dohrn. O material, feito para pensar, é, em primeiro lugar, bom demais de ver. O CD é daquelas festas para os olhos que tanto movem a curiosidade quanto nos deixam cheios de dúvidas e perguntas. Do prefácio, animado por um grifo, ao final dos créditos, com um jogo divertido, as imagens – muitas delas da obra de Tomaselli – são mais que acompanhamento dos conteúdos, são a forma pela qual é possível acompanhar o significado de tais conteúdos.

Do que é feito para ver ao que explica o que é visto, Dialética para Todos torna o por demais complexo da disciplina filosófica palatável a qualquer mentalidade. As crianças assistem extasiadas, acostumadas que são com a interatividade do computador. O mesmo maravilhamento ocorre com os adultos que se fixam – quem sabe, com mais dificuldade – diante de um tema difícil até mesmo para filósofos profissionais, já que carregado de divergências historicamente estabelecidas. A função inicial do CD é ajudar todos a compreenderem o que é dialética, mas acaba também apresentando uma especializada teoria sobre o tema, ainda que acessível.

Nós – o público – não sabemos o que é filosofia, tanto menos sabemos o que é dialética, um dos termos mais fortes de uma tradição do pensamento ainda mitificada. Cirne Lima, autor e roteirista do CD, aparece como um narrador cheio de paciência e, certo da necessidade de explicação didática, faz um passeio por essa complexa tradição, desde os pré-socráticos até suas próprias teorias relativas ao presente da dialética. Ele mostra as origens do termo na Antigüidade, sua apropriação pela filosofia de Hegel na era moderna e as abordagens críticas, refutadoras ou reconstrutivas, propostas pelos mais contemporâneos pensadores. Há uma crítica severa à dialética negativa de Adorno, são apropriadas as descobertas analíticas de Frege, Russel, Heiss e outros, no que elas podem ajudar no motivo da reconstrução da dialética e da noção de sistema com a qual Cirne Lima coloca-se, ele mesmo, na corrente da histórica discussão.

O CD é, para início de conversa, uma boa introdução aos problemas dos antigos e o modo como foram herdados e pretenderam resolver-lhes os filósofos da atualidade. Cirne Lima, aos poucos, enquanto nós nos deliciamos com o brinquedo montado por Tomaselli e seus colegas de produção gráfica, mostra como uma visão de dialética corrigida, ou seja, aquela que revê o sentido da contradição e opta pela contrariedade, que compreende a relação entre liberdade e responsabilidade como categorias também lógicas, pode ainda refazer o sentido da filosofia para todos e repropor o significado do que os filósofos chamaram de dever-ser, o norte de nossas ações.

Cirne Lima tenta mostrar como há uma evolução, não necessariamente um progresso, no uso do termo. Aprofunda o sentido e a função da palavra dialética que, ainda que não tão comum em nosso linguajar cotidiano, muitas vezes aparece – para os curiosos – como não mais do que uma luta de alguns em sustentar a contradição como verdadeira. Cirne Lima vai ao início da questão retomando as raízes históricas da idéia de “jogo de opostos”. Esse significado, todavia, serve apenas para um início de apresentação de um problema de relevância mais do que acadêmica e esotérica. Aliás, o CD mostra-nos a diferença entre teorias esotéricas e exotéricas, o que é para poucos e o q’ue é para muitos e afirma, assim, sua própria proposta.

Se a Dialética é “para todos”, Cirne Lima faz-nos o favor, não apenas de oferecer sua opinião fundamentada, que poderá ser compartilhada num contexto democrático, mas define num ato, no melhor sentido da tarefa filosófica, que aquilo que se diz como filosofia só tem sentido à medida que disposto num contexto de diálogo.

O que é, então, esta dialética de que o CD tenta dar conta em sua totalidade? A etimologia da palavra diálogo é, pois, o que melhor explica a dialética: confronto das razões, dos argumentos, busca por forjar uma explicação das coisas que possa ser compartilhada por todos os que podem compreender, todos os que possuem racionalidade, todos os que buscam a verdade e os modos de acessá-la. O diálogo é a atitude interna proposta por este novo material.

A própria forma em CD, que se dispõe para além do formato em códice que é o do livro (Dialética para Principiantes teve várias edições), já define uma Dialética para Todos, pois, em tempos de interatividade por meio da computação, um CD pode ser mais barato que um livro e pode ser compartilhado de modos bastante afins ao tempo presente: um computador no contexto da escola, da família, dos grupos na sala de aula, conferências, cursos. Claro que o CD não elimina a importância ou a necessidade do livro, mas apresenta-se como uma nova alternativa a uma geração que se mover dentro desta linguagem. Assim a filosofia diz-se como algo que continua pertencendo ao nosso tempo.

 

Baseado no livro Dialética para Principiantes, de Carlos Cirne Lima, o CD-ROM Dialética para Todos oferece mais de 12 horas de animação, em três grandes capítulos. Está sendo distribuído gratuitamente em escolas da rede pública estadual. Quem quiser adquirir seu próprio disco deve procurar o StudioClio (Rua José do Patrocínio, 698), em Porto Alegre, fone (51) 3254 -7200. Lá o CD-ROM sai por R$ 25.