A VERDADE É O TODO
Carlos Cirne-Lima (UNISINOS)
As muitas e para mim sempre profícuas discussões sobre temas
da Filosofia de Hegel que tive com meu colega e amigo, o Prof. Dr. José
Henrique Santos, a quem esta Festschrift é dedicada, ele as concluía
dizendo invariavelmente: “Pelo viés da Fenomenologia fica
mais fácil”. Em agosto de 2001, na semana filosófica
em homenagem aos 80 anos do P. Lima Vaz, depois da conferência que
fiz sobre o problema da contradição em Hegel, José
Henrique, cavalheiro como sempre, veio congratular-me pela exposição,
acrescendo, depois: “Analisaste a questão só pelo
viés da Ciência da Lógica e da Lógica da Enciclopédia.
Pela Fenomenologia ficaria mais simples e mais claro.” Ele tinha,
mais uma vez, toda razão. Volto, por isso, ao tema da contradição
em Hegel, ampliando e completando, pelo viés da Fenomenologia,
o que apresentei no trabalho mencionado. Na primeira parte, resumo brevemente,
os argumentos já apresentados na conferência citada. Na segunda
parte, analiso a mesma questão pelo viés da Fenomenologia.
Na terceira parte, mostro como minha proposta sobre a contrariedade como
motor da dialética, vista agora sob o moto de que a Verdade é
o Todo, deixa de ser uma mera defesa de Hegel contra as objeções
de Trendelenburg e de Popper e passa a ser uma exposição
positiva de como se engendra a dinâmica que move o sistema.
1. Contradição ou contrariedade?
A objeção que Trendelenburg , Karl Popper e toda a Filosofia
Analítica contemporânea levantam contra Hegel consiste na
radical irracionalidade da contradição. Contradição,
segundo Hegel, é o núcleo duro da dialética e o motor
que move todo o sistema. Contradição, diz a objeção,
consiste em dizer e, ao mesmo tempo, desdizer-se; desde o livro Gama de
Aristóteles sabemos que quem fala uma contradição
não diz absolutamente nada, pois contradição é
o próprio non-sense .
Esta objeção, que atinge de maneira central o método
e o sistema de Platão e de Hegel, precisa ser resolvida de maneira
absolutamente clara e convincente. Se não o for, os sistemas de
Platão e de Hegel têm que ser abandonados e jogados no lixo;
assim faz o cientista sério com as teorias que tenham sido refutadas.
Desde a morte de Hegel esta pergunta está, apesar das muitas tentativas
, sem solução satisfatória. Daí meu empenho,
durante pelo menos duas décadas, de tentar resolvê-la.
O problema consiste no seguinte: Segundo os dialéticos, em especial
segundo Hegel, tese e antítese, na dialética, se opõem
pela contradição e são ambas proposições
falsas. É isso que põe o pensamento em movimento e obriga
a abandonar o nível de tese e antítese e, fazendo a Aufhebung,
elevar-se a um nível mais alto, no qual ambos os opostos então
se conciliam. Os dialéticos afirmam que Aufhebung consiste num
processo em que simultaneamente se supera um elemento e se guarda um outro.
Aufheben significaria, então, superar-guardar.
A objeção de Trendelenburg e de Karl Popper, sem entrar
no mérito de uma Aufhebung qualquer, se atém a um problema
bem simples. Como foi afirmado acima, dialética começa com
a oposição contraditória entre tese e antítese,
que ambas têm que ser demonstradas como sendo proposições
falsas. Ora, diz a objeção, proposições contraditórias
nunca, jamais, podem ser simultaneamente falsas. A regra, desde Aristóteles
conhecida e por todos aceita, diz que, sendo uma proposição
verdadeira, a proposição contraditória a ela oposta
é sempre falsa. E, vice-versa: sendo uma proposição
falsa, a proposição contraditória a ela oposta é
sempre e necessariamente verdadeira. O que significa que duas proposições
contraditórias jamais podem ser simultaneamente verdadeiras ou
simultaneamente falsas. Ora, Hegel e os dialéticos afirmam que
tese e antítese são proposições opostas pela
contradição e afirmam também que são ambas
proposições falsas. Isso é logicamente impossível.
Assim sendo, a dialética repousa sobre um pressuposto lógico
falso e tem que ser abandonada como uma teoria falsa. Falsa exatamente
por ser contraditória.
Esta objeção, desde que foi colocada por Trendelenburg no
século XIX, paira no ar sem resposta bastante. Todos, sim, literalmente
todos os filósofos dialéticos procuram desde então
por uma resposta que seja logicamente bastante e que seja aceita pelos
lógicos. A dialética, então, é analisada sob
os mais variados aspectos, é descrita, é parafraseada, é
comentada; ela é dissecada em suas partes, é colocada sobre
os mais variados horizontes de interpretação. Não
há nenhum livro minimamente relevante sobre a Filosofia de Hegel
que não trate do problema. E nenhuma resposta satisfatória
se obteve que pudesse ser aceita pelos lógicos.
Minha proposta de solução consiste em dizer que contradição
em Hegel não é a contradição de Aristóteles
e da Lógica formal, mas sim a contrariedade. Quando Hegel diz contradição,
ele quer sempre dizer contrariedade. Tese e antítese, na dialética,
são sempre falsas e é esta falsidade que impele o pensamento
para a a síntese, que, em nível mais, alto, concilia os
opostos que antes eram excludentes. Houve, aí, uma Aufhebung, em
que alguns elementos de tese e antítese foram superados e abandonados,
outros elementos foram guardados. É igualmente correto dizer que
para fazer dialética é preciso demonstrar a falsidade da
tese e da antítese, para, só então, passar à
síntese. O núcleo duro da objeção e de minha
proposta de solução consiste na relação lógica
existente entre tese e antítese, que são ambas proposições
falsas. Hegel chama tese e antítese de proposições
contraditórias; mas sabemos que isso é logicamente impossível,
pois duas proposições contraditórias jamais podem
ser simultaneamente falsas. Resta só uma alternativa: ou Hegel
errou redondamente ou ele usa, como os juristas, outra terminologia que
não aquela usual entre os lógicos e entende por contradição
outro tipo de oposição, a saber, a contrariedade. Este é
o núcleo duro de minha proposta: Quando Hegel diz e escreve contradição
ele quer dizer contrariedade. Pois duas proposições contraditórias
não podem ser simultaneamente falsas, mas duas proposições
contrárias podem, sim, ser simultaneamente falsas. Desde Aristóteles
o sabemos.
Poder-se-ia aqui objetar que minha proposta escapa da objeção
levantada por Trendelenburg e Popper, mas que ela não encontra
respaldo no texto de Hegel. Eu estaria fazendo, não uma interpretação,
mas uma correção de Hegel. Não é verdade.
A análise cuidadosa do texto de Hegel mostra que ele, ao dizer
contradição, na realidade estava querendo dizer aquilo que
os lógicos chamam de contrariedade. A prova disso se faz examinando
o quantificador das proposições que são tese e antítese.
Se o quantificador, em ambos os casos for universal, trata-se de proposições
contrárias e não de proposições contraditórias.
Ora, o sujeito lógico de todas as proposições da
Lógica de Hegel é sempre o mesmo e tem sempre o mesmo quantificador
universal. Se isso é correto, então, o que Hegel chama de
contradição é sempre aquilo que os lógicos
chamam de contrariedade.
Hegel nos dificulta o trabalho de demonstração, pois o sujeito
lógico das proposições em toda a sua Lógica
permanece oculto. A Ciência da Lógica someça com um
anacoluto: Ser, ser indeterminado, ser sem nenhum conteúdo . Sabemos
que ser é uma categoria, um predicado, portanto. Mas qual é
o sujeito oculto da proposição? Qual seu quantificador?
Na Lógica da Enciclopédia Hegel nos diz que o sujeito lógico
de todas as proposições, que fica nelas sistematicamente
oculto, é o Absoluto . Assim sendo, também o quantificador
é sempre o mesmo quantificador universal. Na Ciência da Lógica
o sujeito oculto do anacoluto incial e de todas as demais proposições
lógicas é exposto, bem no começo , no capitulo sem
número que tem o instigante título Womit der Anfang der
Wissenschaft gemacht werden muss. A filosofia tem que ser crítica,
argumenta Hegel. Ora, para ser crítica, não pode pressupor
nada. No entanto, quem não faz nenhum pressuposto determinado,
quem não pressupõe nada, está a pressupor tudo de
maneira indeterminada. O nada da determinação é o
tudo da indeterminação. Assim, o sujeito oculto de todas
as proposições da Grande Lógica pode ser expresso
nos seguintes termos: Tudo que foi pressuposto e que tem que ser criticamente
reposto é ser; tudo que foi pressuposto e tem que ser criticamente
reposto é nada; tudo que foi pressuposto e tem que ser criticamente
reposto é devir, etc. Tese e antítese, aí, possuem
claramente o mesmo sujeito e o mesmo quantificador universal: Tudo que
foi pressuposto e quem tem que ser criticamente reposto. As proposições
da tese e da antítese, ambas falsas, são proposições
contrárias; elas não são contraditórias, pois
o quantificador universal continua o mesmo.
Penso ter resolvido, com clareza e rigor, a questão proposta por
Trendelenburg e Popper: Onde Hegel diz contradição, entenda-se
contrariedade. Se aceitamos isto, o problema lógico desaparece
e a objeção está resolvida. Resolvida uma questão,
entretanto, aparecem sempre novas questões mais à frente.
Duas linhas de objeções aqui se abrem. A primeira linha
de objeções vem dos comentadores e estudiosos de Hegel.
Os leitores tradicionais podem objetar que fiz exatamente aquilo que Hegel
sempre tentou evitar, ou seja, dizer explícita e expressamente,
com todas as letras, qual o sujeito lógico das proposições
da Lógica. Eles têm, em parte, razão. Hegel pensa
e diz que a proposição completa, constituída de sujeito
e predicado lógicos, não é a forma adequada de expressar
a verdade. Não é por acaso que Hegel começa a Lógica
com um anacoluto e quase nunca nos diz qual o sujeito lógico do
qual se predicam as categorias. Lamentavelmente não posso alongar-me
sobre este tema que deve ser tratado em outro contexto. A segunda linha
de objeções vem dos lógicos e filósofos analíticos,
que, a esta altura, podem dizer o seguinte: Tudo bem, foi mostrado que
a dialética não é bobagem, pois tese e antítese
não são proposições contraditórias,
mas sim contrárias; mas qual a força motriz que nos faz
subir a um nível supostamente mais alto? Como e por que os contrários,
antes opostos excludentes, estão agora conciliados? Estas novas
questões surgem, ao natural, uma vez respondida a pergunta inicial
de Trendelenburg e Popper. Qual a resposta? É aqui que voltamos
à Fenomenologia para lá buscarmos elementos para respondê-las.
2. O sujeito lógico na Fenomenologia
O primeiro capítulo da Fenomenologia , o capítulo sobre
a certeza sensível, é o melhor lugar para analisar a questão
do sujeito lógico das proposições dialéticas,
pois neste texto ele está dito e expresso com todas as letras.
O conteúdo concreto da certeza sensível, à primeira
vista, parece ser o conhecimento mais rico e mais verdadeiro de todos
(tese). Mas, olhando melhor, percebemos que esta certeza é só
o mais abstrato, o mais pobre e o menos verdadeiro de todos os conhecimentos
(antítese). Pois, o sujeito que conhece é, na certeza sensível,
apenas este Eu aqui, um este puro, vazio e singular, que conhece apenas
que algo é. A pobreza do este que aponta para um eu singular e
para um objeto igualmente singular, um mero ser que apenas é, vazio
e sem a rede de relações que o determine ulteriormente,
a pobreza do mero este vazio (antítese) se opõe à
idéia (tese) de que a certeza sensível seja o conhecimento
mais rico e mais verdadeiro.
Após este preâmbulo , em que Hegel resume todo seu raciocínio
posterior, é colocada a pergunta que vai caracterizar o núcleo
duro da tese: Qual a verdade da certeza sensível? Como e por que
o conhecimento sensível é verdadeiro? Eis agora a formulação
da tese: O conhecimento sensível é verdadeiro se seu objeto
é, ou seja, se o objeto é o verdadeiro (das Wahre) e o essencial
(das Wesen) . Transformando a proposição condicional em
proposição tética, a tese fica formulada da seguinte
maneira: A verdade (das Wahre) e a essência (das Wesen) da certeza
sensível está no objeto.
Hegel passa, então, a mostrar a falsidade desta tese. A certeza
sensível nos dá apenas este objeto. Hegel vai mostrar, a
seguir, que este objeto não é a verdade e a essência
da certeza sensível, pois ele é totalmente vazio de conteúdo.
Ele começa com o este do objeto, este objeto. O que é este?
O que significa o termo este? O este se nos apresenta como o agora e o
aqui. O que é o agora? Agora é noite, respondemos e pensamos
ter captado e dito a verdade. Só que perdemos esta pretensa verdade,
quando a escrevemos. Pois, a frase escrita Agora é noite, lida
algum tempo depois, lida durante o dia, aparece em sua inverdade, pois
agora não é mais noite, mas sim dia. O mero ato de escrever
transformou a verdade do agora em inverdade . O mesmo acontece com o aqui.
Aqui há uma árvore, inicialmente uma proposição
verdadeira, transforma-se imediatamente em inverdade, quando viramos o
rosto e olhamos para outro lado, para uma casa, pois agora Aqui é
uma casa . O este, o aqui e o agora são um universal totalmente
vazio e sem conteúdo, eles não têm e não mostram
a verdade e a essência da certeza sensível.
Após a demonstração da falsidade da tese, A verdade
e a essência da certeza sensível está no objeto, Hegel
formula a antítese: A verdade e a essência da certeza sensível
está no sujeito.
Hegel, depois de mostrar a inverdade do este objeto da certeza sensível
(tese), passa a demonstrar a inverdade do este eu (antítese). Se
a verdade não está no objeto, ela tem – pensa erroneamente
o bom senso -, que estar no eu: A força de sua verdade (da certeza
sensível) está, portanto, no eu, na imediatidade de meu
olhar, de meu ouvir etc . Quando eu digo Agora é dia, Agora é
noite, Aqui há uma árvore, Aqui há uma casa, o dia
e a noite, a árvore e a casa não são a verdade e
a essência do conhecimento, pois eles desaparecem com o mero passar
do tempo e com um pequeno movimento de cabeça. O que fica, o que
permanece, o que é a verdade e a essência da certeza sensível
tem que estar, portanto, no eu, isto é, no sujeito e não
no objeto.
Só que este eu é, de novo, um mero este, colocado num aqui
e agora. Também este eu, sujeito da certeza sensível, é
tão evanescente e inverdadeiro como o objeto. Muitos outros eus
dizem de si mesmos, com toda a razão, que são este eu .
Conclui-se, assim, que também a proposição antitética
é falsa. A verdade e a essência da certeza sensível
estão no sujeito é uma proposição falsa.
A seguir, Hegel mostra que, como a tese a a antítese são
ambas falsas, somos obrigados a admitir que a verdade e a essência
da certeza sensível está no movimento, ou, com maior exatidão,
na história do movimento que se realiza entre o sujeito e o objeto
. O movimento concreto – e neste sentido, não mais vazio
de conteúdo – entre sujeito e objeto constitui uma história
em que um momento vem depois do outro, em que um momento leva ao outro,
em que cada momento possui sua verdade. Mas trata-se aqui de uma verdade
em movimento, uma verdade que, diríamos hoje, está na unidade
de sujeito e objeto em suas interrelações concretas e, assim,
históricas. A verdade e a essência da certeza sensível
está na unidade de sujeito e de objeto, ambos tomados em sua concretude
histórica. Esta é a síntese do primeiro capítulo.
Fica claro, assim, que tese e antítese também aqui são
proposições contrárias e não proposições
contraditórias. A análise do sujeito lógico das proposições
téticas e antitéticas na Fenomenologia leva à mesma
conclusão a que chegáramos acima, quando do estudo da questão
na Ciência da Lógica e na Enciclopédia. Ou seja, quando
Hegel diz contradição ele quer dizer aquilo que os lógicos
chamam de contrariedade, pois tanto na tese como na antítese o
quantificador continua sendo universal. Neste caso a universalidade do
quantificador se expressa nos termos, repetidos tanto na tese como na
antítese: A verdade e a essência da certeza sensível
está no.... O quantificador todos não está expresso
ipsis verbis neste sujeito lógico, mas está indubidatavelmente
implícito. Pois, a verdade, para Hegel, é sempre o Todo.
Realmente, se não entendêssemos o termo A verdade e a essência
da certeza sensível como Toda a verdade e a essência da certeza
sensível, a argumentação de Hegel cairia por terra.
Pois ele demonstra a inverdade da proposição Agora é
noite, quando nos manda fazer o experimentum mentis de escrever esta verdade
e, horas depois, durante o dia, de reexminá-la. Examinada à
luz do dia, aparece, então, a inverdade da proposição
Agora é noite. Ora, se Hegel se ativesse a uma verdade que não
é o Todo, se ele se ativesse a uma verdade do sentido de Tarski,
poderia e deveria dizer que a proposição Agora é
noite neste exato momento do espaço e do tempo corresponde aos
fatos e é, por isso, verdadeira. Hegel não se atém
à definição de verdade de Tarski , Hegel não
quer saber a verdade momentânea e evanescente de uma certeza sensível,
correspondência momentânea entre sujeito e objeto, que, logo
mais, deixa de ser a certeza que é e se transforma em incerteza.
Uma tal verdade, para Hegel, é apenas uma verdade parcial, melhor,
uma parte da verdade. Mas, como a verdade é sempre o Todo, as verdades
apenas parciais são sempre inverdades . Proposições
que expressam verdades parciais não são, por isso, proposições
verdadeiras e têm que ser descartadas como proposições
falsas. Tese e antítese, por expressarem apenas verdades parciais,
são, à luz da definição de que a Verdade é
o Todo, proposições falsas. Elas incluem, sim, um elemento
positivo (a verdade momentânea, a verdade que é parcial),
mas não incluem aquela totalidade que lhes daria a verdade no sentido
pleno de a Verdade é o Todo. E é por isso que Hegel afirma
que a verdade da certeza sensível não está nem no
objeto nem no sujeito, enquanto estes são pensados isoladamente
e sem concretude histórica, mas sim na unidade concreta e histórica
de sujeito e objeto. A verdade total da certeza sensível, que é
para Hegel a única que merece o nome de verdade, consiste na História
da interrelação de identitade entre sujeito e objeto. Esta
é a História que ele Hegel vai tematizar em cada capítulo
da Fenomenologia do Espírito. A verdade, pois, no sentido hegeliano
de completude do Todo, não nos permite parar na tese e na antítese,
como se estas fossem o Todo. As sínteses de cada tríade,
que parecem inicialmente ter captado o Todo, num exame mais acurado, transformam-se
novamente em teses que possuem apenas verdade parcial e que por isso são
falsas e têm que ser abandonadas; e assim até chegarmos à
última categoria, ao saber absoluto.
A unidade histórica e concreta de sujeito e objeto na certeza sensível
leva à síntese que consiste na História de seu movimento
(Geschichte ihrer Bewegung), que consiste na História de sujeito
e objeto, que em seu movimento de constituição mútua
desaparecem um no outro porque se fundiram numa unidade concreta. Sujeito
e objeto não mais se opõem, mas se mostram em sua unidade
dinâmica, como uma totalidade em movimento de autoconstituição.
Esta é a síntese. Houve aqui uma Aufhebung. Foi superada
e deixada para trás a visão de que sujeito e objeto podem
ser considerados e expressos como sendo elementos que se opõem
e se excluem; foi guardado o elemento que aponta para a interrelação
concreta em que ambos, sujeito e objeto, se constituem mutuamente em sua
história concreta. Eis a síntese como Aufhebung.
Esta síntese, porém, capta e expressa tanto o eu (sujeito)
como as coisas (objeto) apenas como o conjunto dos muitos estes, dos muitos
aqui e agora. O que parecia ser um indivíduo posto no aqui e agora
do espaço e do tempo, mostra que é, na realidade, um universal.
Pois o conjunto dos muitos estes, dos muitos aqui e agora é, não
mais um indivíduo singular (seja como sujeito, seja como objeto),
mas um conjunto, ou seja, um universal. E a síntese transforma-se,
deste modo, em nova tese, na tese que dá início ao segundo
capítulo, ao capítulo sobre a percepção (Wahrnehmung).
O conhecimento, que até aqui era o conhecimento da certeza sensível,
amarrado na singularidade concreta dos muitos estes, dos muitos aqui e
agora, transforma-se num conhecimento que conhece, não mais apenas
o singular concreto, mas primeira e essencialmente um universal.
Mostrar que tese e antítese, na dialética, não são
proposições contraditórias mas sim contrárias
é apenas o primeiro passo para entender a dialética como
método. Neste primeiro passo, que é preponderantemente negativo,
são refutadas as objeções tradicionais de Trendelenburg,
de Popper e da Filosofia Analítica em geral. Mas este primeiro
movimento é meramente defensivo, ele é puramente negativo
Ele mostra, sim, que a dialética não implode logicamente
por conter uma contradição – não é contradição,
mas sim contrariedade -, mas ele não mostra como a dialética
possa ser uma força motriz que move o sistema e como que empurra
o pensamento da falsidade de tese e antítese para a verdade da
síntese, para um nível mais alto e mais nobre. A força
motriz da dialética, do começo até o fim do sistema,
é sempre a busca da verdade, e, como a Verdade é o Todo
, a busca da Totalidade. Por que não paramos, derrotados e inermes,
em face da falsidade de tese e antítese? Qual força nos
faz ir mais adiante e procurar a verdade que, não encontrada em
tese e antítese, tem que estar mais adiante, num nível mais
alto? Qual a força que nos faz subir a um nível mais alto
– o da síntese - e, sempre de novo, recomeçar a busca
pela verdade? A força que move a dialética como método
e como sistema é a idéia de que a Verdade é o Todo.
Assim, se tese a antítese são falsas, porque suas verdadades
são apenas verdades parciais e, por isso, inverdades, a certeza
de que a Verdade é o Todo nos impulsiona para frente e para cima,
sempre em busca da Totalidade.
Isso não significa que tese e antítese, inverdades por serem
verdades apenas parciais, devam ser jogadas no lixo, ou seja, devam ser
jogadas para fora do sistema. Não, tese e antítese, mesmo
não verdadeiras porque não o Todo, são conservadas
e guardadas como elementos constitutivos do sistema. Tese e antítese,
enquando inverdades por não serem o Todo, são pontos de
vista que ficam para trás e são abandonados. Mas a verdade
parcial que contêm não permite que as joguemos no lixo, que
as joguemos para fora do sistema. Elas são aufgehoben, elas são
guardadas, mais, elas são importantíssimas porque constituem
o degrau que nos permite subir ao patamar superior da síntese.
Tese e antítese, verdades apenas parciais e, neste sentido, inverdades,
são partes constituintes do Todo; elas são, assim, parte
legítima e importante do sistema. É sobre a inverdade (=
verdade apenas parcial) de tese e antítese que se constrói
a verdade da síntese. E cada nova síntese, ao mostrar-se
apenas verdade parcial, torna-se novamente uma tese, que é falsa,
e nos impulsiona de novo para o sistema como um todo. Só o sistema
como um todo apresenta a Totalidade, só ele se constitui como a
Verdade que é o Todo. Surge aqui o núcleo duro positivo
mas também o maior problema de todo e qualquer sistema dialético,
a saber, o problema da Totalidade.
3. A Verdade é o Todo
Dois grupos de questões surgem aqui, ambos referentes ao conceito
de Totalidade posto como núcleo de um método e de um sistema
filosófico. O primeiro grupo de questões vem da perspectiva
da Filosofia Analítica contemporânea, mas se origina, de
fato, no nominalismo de Ockham e do Empirismo Inglês: Pode-se pensar
e falar de Totalidade? O segundo grupo de questões vem dos sistemas
dialéticos neoplatônicos, especificamente das objeções
levantadas contra o sistema de Hegel: Como conciliar Totalidade com um
sistema que seja aberto à contingência e à historicidade,
como hoje o queremos?
Como preâmbulo a toda a argumentação posterior, seja-me
permitido, desde logo, levantar uma tese forte: É impossível
negar que exista o Todo. Pois, o que é e existe ou é o Todo
ou parte do Todo. Ora, como de fato há coisas, entidades, possibilidades
etc., elas ou são o Todo ou são parte do Todo. Se elas são
o Todo, o Todo existe. Se elas são partes do Todo, elas pressupõem,
sendo partes, sempre o Todo do qual são partes. Logo, o Todo é
e existe. Não se pode, portanto, questionar, de maneira geral,
se o Todo é e existe. É impossível negar que o Todo
é e existe. A pergunta, pois, que resta, consiste apenas em determinar
como este Todo é, ou seja, em determinar qual a relação
das coisas, entidades, possibilidades, etc.; qual a relação
de nós mesmos que estamos aqui pensando para com o Todo que é
e existe. Que o Todo é e existe está fora de dúvida.
Os nominalistas e grande parte da Filosofia Analítica negam precisamente
a existência mesma do Todo, tanto como conceito como também
como realidade. Como falar de um Todo, se não temos mais essências?
Como determinar um Todo que não conseguimos captar pelos sentidos?
Como falar cientificamente de algo que não passa nunca por nossos
sentidos? O que captamos pelos sentidos não é o Todo abrangente
e universalíssimo, como acima é pressuposto, mas apenas
um conjunto dado de seres ou entidades. Este conjunto pode ser chamado
de um todo, sim – o todo de minha percepção momentânea,
por exemplo -, mas trata-se aqui apenas de um conjunto dado empiricamente,
não de um Todo por assim dizer metafísico que abarque tudo
que existe e tudo que possa ser. Um tal Todo que seja realmente abrangente
e abarque tudo que existe e possa ser é apenas um conceito vazio,
é uma construção mental, um figmentum mentis. Não
sabemos se a tal conceito corresponde, no mundo real, algo objetivo que
o legitime. O conceito de Totalidade não será algo assim
como o centauro sobre o qual falamos mas ao qual não corresponde
nenhuma realidade? Pior ainda: Será que este conceito de Totalidade
pode ser pensado e determinado como conceito? Tudo indica que não,
como aliás o curso da História da Filosofia parece estar
demostrando.
Concordo plenamente com os nominalistas que aquilo que os antigos e medievais
chamavam de essência é algo que desapareceu da ciência
porque nunca existiu na realidade; trata-se de uma teoria totalmente ultrapassada.
Não há a essência de gato, nem a essência de
cavalo. Não há nem mesmo a essência de homem. Toda
aquela operação do intellectus agens, que arrancava de dentro
do phantasma, produto mais alto do conhecimento sensível, a própria
essência do objeto conhecido e a tornava transparente a si mesma
em sua inteligibilidade eterna e imutável – a species intelligibilis
ou conceito -, bem, tal manobra simplesmente inexiste e nunca existiu.
Com todo o respeito para com Aristóteles e os mestres-pensadores
medievais, tal manobra é uma construção extremamente
artificial que se tornou obsoleta e desnecessária . Os nominalistas
neste ponto tinham razão. Não existem essências; não
existe a essência de gato, nem de cavalo, nem de homem, muito menos
– parece - de um Todo Metafísico. Os nominalistas e filósofos
analíticos, porém, deixariam de ter razão se negassem
– o que ninguém nega -, além da doutrina sobre as
essências da Antigüidade e da Idade Média, a existência
de nexos que sejam demonstrados como sendo necessários. Ninguém
nega a Lógica e a Matemática; elas tratam de relações
ou nexos necessários. Trata-se, pois, em nossa discussão
com os nominalistas e com a Filosofia Analítica, de saber se ao
conceito de Totalidade corresponde, no mundo objetivo, uma relação
necessária. Há ou não há a Totalidade como
relação necessária que constitui o Universo? Este
é o problema, colocado, já agora, com a exatidão
necessária.
Procurarei demonstrar que, ao formar o conceito de classe, sempre e necessariamente
pressupomos o conceito de Totalidade, que fica definido aqui como sinônimo
de Tudo e de Todo, sempre no sentido mais universal e mais amplo. - Há
basicamente duas maneiras de formar o conceito de classe, uma duramente,
a outra moderadamente nominalista. Em ambas, o conceito de Totalidade
é necessariamente pressuposto.
A maneira duramente nominalista de definir classe, ou seja, conceitos
que sejam universais, parte do pressuposto de que só existem indivíduos
e de que todos os nomes, os signa verbais, designam originaria e primeiramente
indivíduos e apenas indivíduos; de acordo com este pressuposto
radicalmente nominalista, a existência de conceitos ou classes universais
tem que ser construída e explicada a partir de nomes que apontam
somente para indivíduos concretos. Assim os nomes Pedro, João
e José apontam para indivíduos e somente para indivíduos.
Para formar a primeira classe, ou seja, o primeiro conceito universal,
que aponta não para o indivíduo mas para algo que é
mais do que um indivíduo, é necessário, segundo esta
proposta radicalmente nominalista, constituir a classe que contém
Pedro, João e José. A classe é constituída,
nesta proposta, pela enumeração completa dos indivíduos
que a compõem: A classe que contém Pedro, João e
José. – Os lógicos e filósofos da Lógica
que trabalham com estas questões percebem logo que a classe acima
formada não está bem constituída, não está
bem definida. Ela diz, sim, que contém Pedro, João e José,
mas deixa em aberto se contém ou não contém mais
alguma coisa; essa ambigüidade precisa ser eliminada para que a clsse
possa ser entendida como classe. A classe, para estar bem definida, precisa
ser fechada, ou seja, precisa ser completada da seguinte maneira: A classe
que contém Pedro, João e José e não contém
nada que não seja Pedro, João e José . Só
assim, fechada por todos os lados, a classe é um conceito bem formado
e aponta para algo que é mais do que apenas um indivíduo,
ou seja, um universal, dizem os nominalistas radicais. Conseguimos, pensam
eles, formar um conceito universal utilizando apenas nomes, sinais que
apontam para indivíduos. Errado, muito errrado. Pois, para formar
a classe corretamente, isto é, como classe bem definida e fechada,
foi necessário utilizar, além dos nomes individuais, o conceito
universal de nada (nada que não seja identico a Pedro, João
e José). A tentativa radical dos nominalistas de construir o conceito
universal (ou classe, conjunto etc.) a partir tão somente da enumeração
de indivíduos falha completamente e, sem perceber, pressupõe
o conceito mais universal de todos, o conceito de Totalidade em sua forma
negativa de nada. O nada, que está sendo pressuposto aqui, é
a forma negativa do Todo sobre o qual estamos falando o tempo todo.
A forma mais branda do nominalismo – aquela que é ensinada
pela maioria dos filósofos que trabalham hoje em análise
da linguagem e Filosofia da Lógica – explica a classe da
seguinte maneira. Dentro de um conjunto empiricamente dado, por exemplo
uma sala, há Pedro, João e José, bem como mesa, cadeiras,
quadros, cortinas, tapetes, etc. Forma-se uma classe bem constituída
quando se toma uma característica, por exemplo, movimentar-se,
e se pergunta: Quem, nesta sala, se movimenta? A resposta é a classe
constituída por Pedro, João e José, pois são
estes indivíduos os únicos que, no conjunto dado, se movimentam.
Nesta definição, como se vê, não foi preciso
apelar para o conceito universal de nada; nem o conceito de nada, nem
o de outra Totalidade qualquer foi aqui – aparentemente - pressuposto.
Esta conclusão, como logo passaremos a ver, não procede.
É verdade que, na construção de classe proposta,
os termos todo e nada não foram utilizados. Não obstante,
eles estão sendo sutilmente pressupostos. Pois a construção
acima parte de um conjunto empiricamente dado como também de uma
característica determinada que se escolhe. Ora, em ambos os casos
está sendo pressuposta a Totalidade. Como? Por que?
Porque um conjunto empiricamente dado é sempre e necessariamente
limitado. Também uma característica, para ser determinada,
precisa ter limites aquém dos quais ela é, além dos
quais ela não é mais. Ora, para conhecer um limite, é
preciso sempre ultrapassá-lo, ir além dele e, voltando para
trás dizer: isto vem até aqui, até este limite e
não mais além . Este termo não mais além significa,
porém, exatamente aquele nada, aquela Totalidade que se quer evitar.
Façamos a mesma demonstração – ou melhor, mostração
– em sua forma negativa. Tomemos tanto o conjunto dado (a sala)
como a característica determinada (movimentar-se) e façamos
a tentativa de dizer o limite sem que o ultrapassemos. Temos, então,
uma característica que possui, sim, um limite determinado: ela
existe aquém dele. Mas como não podemos passar por sobre
o limite e ultrapassá-lo mentalmente, somos obrigados a dizer que,
além dele, não há nada. Ou, pelo menos, que não
conhecemos absolutamente nada que haja além dele. Assim, a característica
determinada fica delimitada pelo nada. Ora, o que é delimitado
pelo nada não é limitado, mas sim ilimitado. E a característica
deixa de ser uma característica delimitada e torna-se algo ilimitado
e, assim, indeterminado.
Sem conhecer o limite e sem ultrapassá-lo mentalmente, não
há como falar de limite. Sem limite, não há determinação
nem do conjunto dado, nem da característica escolhida para constituir
a classe. Ou seja, para constituir a classe ou qualquer termo universal
como determinados é preciso necessariamente utilizar aquela Totalidade
que é sempre pressuposta e sem a qual não se pode traçar
limite determinante nenhum. A Totalidade, ao menos em sua forma negativa,
é sempre pressuposta quando se tenta construir o termo universal
(conceito, classe, conjunto etc.). Não há como escapar disso.
Esta argumentação mediante a dialética do limite
foi utilizada por Hegel contra Kant, pois este pretendia traçar
os limites da razão. Como delimitar a razão sem ultrapassar
intelectualmente o limite traçado? O que é delimitado por
nada, simplesmente não é limitado, afirma Hegel contra Kant.
Heidegger e Gadamer perceberam isso claramente e por esta razão
postulam um horizonte último sobre o qual e dentro do qual fazemos
todas as ulteriores determinações. Determinar é sempre
recortar algo de algo maior, é pensar algo na perspectiva de um
horizonte que é sempre maior e mais amplo que aquilo que estamos
recortando. Por isso, não há como fugir do conceito de Totalidade.
Qualquer recorte que façamos, seja ele um espaço empírico
ou uma determinação conceitual (classe), ele pressupõe
sempre, em última instância, um horizonte último,
um Todo último, uma Totalidade.
Objetar-se-á, aqui, que esta Totalidade é apenas negativa,
que este horizonte último, exatamente por ser último, não
possui determinação nenhuma e que por isso mesmo não
pode ser expresso mediante um conceito determinado. Datum et etiam concessum
que há uma Totalidade, ela é indizível e, por isso,
algo que foge da razão. A Totalidade é uma Totalidade negativa,
a Filosofia torna-se uma Filosofia Negativa.
Estamos, já agora, tratando do segundo grupo de objeções,
daquele que se origina de dentro dos sistemas dialéticos neoplatônicos.
Desde Plotino, pelo menos, e claramente em Dionísio, o Pseuo-Aeropagita,
lidamos com o problema de uma Teologia Negativa. As determinações
do Absoluto não podem ser ingenuamente positivas, porque determinações
positivas o puxariam para frente, colocando atrás dele, que é
supostamente o Absoluto, um horizonte maior e mais amplo, que seria o
verdadeiro Absoluto. Qualquer determinação positiva do Absoluto,
quando posta como tal, perde o verdadeiro Absoluto e diz apenas algo que
foi recortado do verdadeiro Absoluto, que não se deixa recortar.
As determinações negativas, entretanto, nos dizem apenas
que o Absoluto não é bom como nós somos, não
é justo como nós somos etc. – Os neoplatônicos
sugerem, para além da afirmação primeira e da negação
desta primeira afirmação, um terceiro tipo de predicação:
o Absoluto é bom, o Absoluto não é bom, o Absoluto
é hiperbom. O sufixo grego hyper deveria caracterizar esta maneira
especial de falar sobre a Totalidade. Dionísio nô-lo ensinou
no De nominibus divinis. Tomás de Aquino, na trilha aberta pelo
Pseudo-Dionísio, utiliza elementos tirados de Aristóteles
e introduz aqui a doutrina da analogia entis .
Eu mesmo tentei, por muitos anos, a partir de meu começo, a partir
da Filosofia Tomista com método transcendental de meus professores
em Pullach e Innsbruck, construir uma forma de predicação
analógica que fosse satisfatória, uma forma de predicação
que permitisse falar positivamente sobre esta Totalidade que sempre nos
escapa quando tentamos pegá-la e dizê-la . Só muitos
anos mais tarde me dei conta de que tinha que ser exatamente assim, de
que essa aparente negatividade não era defeito mas sim virtude.
Este Todo último, esta Totalidade que abranje realmente tudo, este
horizonte que é realmente o último horizonte, tudo isso
é e tem que ficar negativo para poder ser positivo.
Explico-me. Se o horizonte último fosse formulado positivamente,
se o puxamos para frente e fazemos um recorte determinante, ele simplesmente
deixa de ser o horizonte último. O Todo, no momento que tentamos
determiná-lo com determinações, quaisquer que estas
sejam, deixa de ser o Todo para tornar-se uma parte determinada. Significa
isso que estamos condenados a uma Filosofia Negativa que jamais pode dizer
qual o último horizonte de sua racionalidade?
A Teologia Negativa incorre realmente neste erro. O Deus teístico
pensado pelos autores neotomistas como pura transcendência, como
primeira causa incausada, que não está dentro da série
causal, só pode ser pensado nos quadros de uma Teologia Negativa.
E ele entra, então, em contradições quando tentamos
pensar o ato livre mediante o qual ele cria o mundo. O Deus teístico
pede e exige uma Teologia meramente negativa com todas as suas conseqüências
e suas contradições.
Se, entretanto, pensarmos o Absoluto de maneira panenteísta como
a Totalidade em Movimento, como o horizonte último abaixo do qual
se situam os horizontes determinados; se o pensarmos como o último
e mais abrangente sistema de auto-organização, dentro do
qual os demais sistemas auto-organizados se desenvolvem e se situam, então
tudo muda, tudo se transforma. A aparente negatividade da Totalidade transforma-se
em suma positividade. Pois, a determinação, em se tratando
do Absoluto, da Totalidade e do horizonte últimos, não se
determina pelo advento de um limite que o delimite de fora e para fora.
Isso não é possível, nem é necessário.
Não é possível, porque a Totalidade última
deixaria de ser última, o horizonte último deixaria de ser
o mais amplo e universal. Não é necesssário, porque
não há razão que exija que a Totalidade seja delimitada
por fora e para fora. Fora da Totalidade, que é Tudo e o Todo,
não há mais nada e, exatamente por isso, qualquer limite
é impossível e desnecessário. Fora da Totalidade
não se pode mais falar de fora. E quando, apesar disso, se fala,
então simplesmente duplicamos a Totalidade, expressando-a uma vez
de maneira positiva, a outra, de maneira negativa. Mas atenção:
a Totalidade expressa de maneira negativa é sempre a última,
a absoluta.
Mas para dentro a Totalidade pode e deve ser ulteriormente determinada.
Para dentro pode e deve haver ulteriores determinações e
delimitações. Assim surge a explicatio mundi, assim surge,
a partir do primeiro princípio, a multiplicidade variegada das
coisas e entidades que, por evolução, se constituem dentro
da Totalidade em Movimento. O Universo com sua multiplicidade de formas
é a determinação ulterior da Totalidade que é
o Absoluto; uma determinação que é interna. O Absoluto
pode e deve ser dito tanto de forma negativa como também de forma
positiva. Dizê-lo de maneira positiva significa reconstruir conceitualmente
o desenvolvimento das múltiplas coisas a partir da unidade inicial.
Dizer o Absoluto de maneira positiva significa concatenar todos os relativos
de sorte que, formando um círculo, possamos dele dizer: É
absoluto que tudo seja relativo. A maneira positiva de dizer o Absoluto
é sempre de novo tentar organizar, como teoria filosófica,
o sistema do Universo.
Este sistema, como se vê, é fechado para fora, mas é
aberto para dentro de si mesmo. Fora dele não existe nada, pois
ele é simplesmente Tudo. Mas este Tudo é uma Totalidade
em Movimento que continua em seu processo de desenvolvimento e de evolução
para dentro de si mesmo.
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