HEGEL - CONTRADIÇÃO E NATUREZA

 

 

                                                                                  Carlos R.V. Cirne-Lima (UNISINOS)

 

 

   A Filosofia da Natureza é exposta por Hegel de forma sistemática na Enciclopédia das Ciências Filosóficas [1] .

 

A Encilopédia compõe-se de três partes como convém à tradição neoplatônica. A primeira parte, sobre a Lógica, é uma versão resumida e em alguns lugares importantes modificada da Ciência da Lógica [2] .

 

A segunda parte da Enciclopédia versa sobre a Filosofia da Natureza (Naturphilosophie) propriamente dita e divide-se em três grandes partes (Teile) partes, a saber, Lógica, Filosofia da Natureza e Filosofia do Espírito. A segunda parte (zweiter Teil) divide-se em três capítulos (Abteilungen), ou seja, a Mecânica, a Física e a Física Orgânica. Na terceira e última parte (dritter Teil), sobre a Filosofia do Espírito (Geist), o autor trata em três capítulos do Espírito Subjetivo, do Espírito Objetivo e do Espírito Absoluto.

   A Filosofia da Natureza, em seu sentido clássico, é, pois, objeto da segunda parte da Enciclopédia e divide-se em Mecânica, Física e Física Orgânica. Para nos atermos estritamente àquilo que a atual Filosofia da Natureza tem como objeto, temos que considerar principalmente os três capítulos da segunda parte. Mas não ficaremos adstritos a isso.

   Percebe-se, já pelos títulos, que Hegel é tributário do Zeitgeist, do espírito do tempo em que vivia. Já em seu tempo a Mecânica era, na opinião da maioria dos cientistas, uma parte da Física; Hegel, embora teça interessantes considerações, não leva isso em conta. A exposição que Hegel faz da Física é pobre e em vários pontos já em seu tempo superada. A Física Orgânica, sim, esta é uma instigante formulação de Hegel que, com esse termo, acentua a proximidade entre a Física e a Biologia. Mais. Afirma, assim, que a Biologia é uma continuação e um prolongamento da Física, afirmação que muitos contemporâneos negariam ou, pelo menos, evitariam defender com tanta desenvoltura.

   A Filosofia da Natureza de Hegel é, infelizmente, uma das partes do sistema que de mais correções precisa. Hegel é, aqui, em quase tudo dependente da ciência de seu tempo, e esta parte do sistema deveria ser corrigida e atualizada para corresponder ao nível na ciência e da Filosofia do século XXI. O terceiro capítulo da segunda parte, por exemplo, sobre a Biologia, deveria, em minha opinião, além de incorporar as conquistas da Teoria da Evolução – o que no sistema de Hegel é relativamente fácil -, assimiliar as teorias contemporâneas da Biologia celular, especialmente da Genética. Penso, também, que a Teoria de Sistemas, elaborada por Ludwig von Bertalanffy [3] no início no século XX sob a inspiração de autores neoplatônicos (inclusive de Hegel) [4] ,


deveria – junto com a Teoria da Evolução – constituir-se na espinha vertebral de uma Filosofia da Biologia contemporânea.

   Com respeito à Física temos problemas ainda maiores, muito maiores. Como os físicos até hoje não conseguiram comprovar experimentalmente a Teoria das Supercordas, a Teoria Geral da Relatividade e a Mecânica clássica não podem ser unificadas com a Mecânica Quântica; não há ainda uma teoria que abarque as três. Sabemos da importância das três teorias; todas elas estão comprovadas empiricamente milhares, se não milhões de vezes. Mas ainda nos falta a Grande Teoria Unificada (the great unified theory - GUT) que como o Santo Graal na Idade Média é objeto de procura por todos os que labutam nas pesquisas de ponta da Física. Essa ausência de uma teoria que consiga unificar a Física torna, hoje, toda e qualquer Filosofia a esse respeito, que queira ser universal, uma especulação vazia de conteúdo. Sem a Teoria Unificada não há base empírica para a elaboração de uma Filosofia da Física. E nenhum filósofo de sã razão quer, hoje, voltar ao método de inferir a priori todas as categorias a partir do “puro pensar” que é vazio de conteúdo, deduzindo assim todo um sistema filosófico. Eis por que reelaborar, corrigindo e ampliando, e reescrever a segunda parte da Enciclopédia, a parte sobre a Filosofia da Física, é hoje algo, em minha opinião, senão impossível, pelo menos uma tarefa titânica.

   Hegel, entretanto, também na Filosofia da Natureza afirma que a contradição é o motor que move o sistema. Também aqui encontramos a divisão em tese, antítese e síntese. Também aqui é da falsidade da tese e da antítese que nasce, reconciliando e unindo ambas, a síntese. Hegel mesmo tentou construir conceitos contrários falsos e da superação de ambos forjar a verdade da síntese. Mas os conceitos que a ciência de seu tempo lhe punha à disposição foram, em sua esmagadora maioria, total ou parcialmente superados pela ciência contemporânea, tornando assim obsoleta a Filosofia sobre eles baseada.

   Um dia alguém – assim espero -, de posse da Grande Teoria Unificada conseguirá construir uma Filosofia da Física que, corrigida e retemperada, corresponda ao espírito do ideal neoplatônico de Filosofia e, assim, ao sistema de Hegel. Entrementes, devemos nos contentar com a análise tópica de alguns conceitos hegelianos, obviamente retirados do contexto, daquilo que Hegel chama o “Processo em sua Totalidade” (Der Prozess in seiner Totalität) (§ 333). Quanto à Biologia, ao terceiro capítulo (Abteilung) da Filosofia da Natureza, penso que a situação é completamente diferente. Penso que o diálogo filosófico com os Biólogos é possível e altamente frutuoso para ambas as partes.

   Embora não tenhamos condições de construir uma Filosofia da Física, o diálogo com os Biólogos se impõe; assim não damos completamente as costas à cooperação sem o qual a Universitas studiorum se desmancha e perece. Podemos e devemos, ainda, expor com acribia e discutir o método que perpassa a Filosofia da Natureza dos autores dialéticos, que, aliás, perpassa todo o sistema: a contradição, segundo a Dialética – de Platão a Hegel e Marx - é aquilo que move tudo, Espírito, Natureza e Espírito. Ao focarmos o método dialético na Filosofia da Natureza, estamos, é claro, penetrando fundo naquilo que Hegel queria, mas – pelo menos nesta parte - não conseguiu dizer com clareza e expor com completude. Não conseguimos, certamente, elaborar todas as categorias da Filosofia da Natureza, mas talvez possamos mostrar o método que a elas conduz.

 

I.  NATUREZA E CONTRADIÇÃO

 

   Muito foi escrito sobre a contradição em Hegel [5] , a bibliografia sobre isso é imensa. Desde Trendelenburg [6] até Popper [7] e a Filosofia Analítica este tema foi posto no centro da discussão entre analíticos e dialéticos e nós, hegelianos,

 

temos que confessar que nossas respostas até hoje deixam a desejar. Há corajosas tentativas de explicar a contradição como motor que move o Universo e, assim, também a Natureza. Mas uma resposta suficientemente clara, razoavelmente transparente, singelamente simples – e por que não? – cogente, esta ainda nos falta. Este trabalho vai tentar o talvez impossível: responder à questão acima. Tentarei mostrar com a máxima exatidão possível – e por isso também em Lógica simbólica – a estrutura da contradição em Hegel. Desde o começo se diga que contradição em Hegel não significa contradição no sentido que os lógicos dão ao termo. Mas então, o que é contradição? Como pode ela mover a Natureza, sim, todo o Universo? Não tem razão Aristóteles quando afirma, no livro Gama, que quem cai em contradição não pode mais falar e fica reduzido ao estado de planta?teles quando afirma, no livro Gama, que quem cai em contradiç

   Contradição em Hegel é um conceito que inclui a oposição de dois contrários, sua  determinação mútua, sua diferença e, finalmente sua identidade dialética. É isto que tentarei, passo a passo, mostrar e justificar.

 

Num primeiro passo mostro que contradição de Aristóteles e dos lógicos inclui como o mais básico de seus elementos a oposição entre contrários. A contrariedade [8] – não a contradição – está no âmago do conceito de contradição. Isso

 

Hegel herdou de Platão. Enantia, no jogo de opostos, não significa um conceito, mas a relação de oposição contrária existente entre dois conceitos que, por estarem em tal oposição, um para com o outro, se constituem mutuamente: O quente e o frio, o alto e o baixo, o justo e o injusto, o sábio e o ignorante, o determinado e o indeterminado etc. Segundo Platão, o jogo de opostos, ou seja, a dialética, só se faz porque trabalhamos com enantia, com contrários. Não entendemos um dos pólos sem entender o outro, não conseguimos dizer um sem conotar o outro. Se fixarmos um dos pólos da enantia, perdendo completamente de vista o pólo contrário, ficamos com uma palavra vazia de conteúdo, com um termo sem sentido, com um pólo que não é mais nada, pois lhe falta o outro pólo que o constitui.

   Este vai ser o primeiro passo de nossa demonstração. Quem fala em identidade, em x = x,

está falando de uma identidade meramente formal como 4 = 4, sem se dar conta do que estamos realmente falando. Além disso, como observa agudamente Hegel, para expressar a identidade temos que por um A antes e o outro A depois do sinal de igualdade. Só assim conseguimos escrever ‘A’ = ‘A’. Mas, objetará um filósofo analítico, o referente de ambos os A é exatamente o mesmo, isto é, a primeira letra de nosso alfabeto. Isso tudo, que é meramente formal, está obviamente correto. O filósofo analítico argumenta: Mas essa identidade ‘A’ = ‘A’ diz algo que já não esteja expresso pelo primeiro ‘A’? O referente não é o mesmo? Se, apesar disso, dizemos ‘A’ = ‘A’, queremos dizer que o referente = o referente; nada mais. Entretanto, este mesmo sinal de igualdade é usado quando se diz 3 + 2 = 5, onde em ambos os lados se encontram referentes diferentes. Eles são, num determinado sistema axiomático, formalmente idênticos, sim, mas ‘3 + 2’ não é materialmente idêntico a ‘5’, o referente material é outro. Há, sim, uma identidade formal, sem que haja uma identidade material. Estamos tão acostumados ao sistema numérico e a fazer cálculos com ele que não percebemos que o sinal de identidade não significa a mera e pura repetição do mesmo. Tomemos como exemplo ulterior a fórmula de Einstein. Quem pretenderia, ao afirmar E = mc2, que energia, massa e velocidade da luz têm o mesmo referente? Muito pelo contrário, o que está sendo dito é que entidades opostas e claramente diferentes, numa determinada configuração, ficam formalmente idênticas. A diferença entre energia, massa e velocidade da luz, sim, a oposição entre elas, é que permite que, sob um aspecto formal, as três sejam idênticas, isto, sejam ligadas pelo sinal de igualdade.

   Fica, assim, no exemplo acima claro o sentido de nosso primeiro postulado ou axioma: Toda identidade formal pressupõe uma oposição entre os dois pólos que chamamos de idênticos. Identidade só existe quando pressupõe uma oposição [9] .

 

– Significa isso que não há tautologias? Sim, mas ao formularmos ‘A = A’ não estamos dizendo a mesma coisa que expressamos quando dizemos simplesmente A. Dizemos mais, muito mais, afirmamos identidade em seu sentido formal e não apenas A.

   Disso decorre nosso primeiro postulado de uma formalização da identidade enquanto dialética:  ("x)("y) (x = x → ODxy). A leitura da fórmula é a seguinte: Para todo x vale que, se x é idêntico a x, então há uma oposição dialética entre x e y. Observemos que tanto x como y são variáveis que perpassam todo o universo do discurso sobre o ser, ou seja, sobre o Universo.

      Passemos à formalização deste primeiro passo em Lógica clássica [10] . (Os restantes predicados e postulados do

 

sistema serão explicados em linguagem do dia a dia à medida em que os temas forem sendo tratados).

 

1.

 

Chave de formalização:

ODxy: x é uma determinação que se opõe dialeticamente a y

DDxy: x  é uma determinação que se determina por sua relação para com y

DIxy: x é uma determinação que é dialeticamente diferente de y

IDxy: x é uma determinação que é dialeticamente idêntica a y

 

 

 Teorema 1 - A Oposição ínsita da Identidade

     ("x) ("y) ODxy     

 

1     ("x) ("y) (x = x → ODxy)                        P - Postulação da oposição

2     ("x) ("y) (ODxy →  DDxy)                      P - Postulação da determinação

3     ("x) ("y) (DDxy → DIxy)                         P  - Postulação da diferença

4     ("x) ("y) (DIxy → IDxx)                          P  - Postulação da identidade

 


5     ("y) (a = a  → ODay)                              1 E "

6     (a = a → ODab)                                        5 E "

7     a = a                                                           I =

8     ODab                                                         6,7 MP

9     ("y) ODay                                                  8 I "

10   ("x) ("y) ODxy                                         9 I "

 

 

 

 

 

 

 

 

2.

 

 

   O segundo passo na análise lógica da identidade dialética que está sendo aqui proposta diz que os dois pólos que se opõem dialeticamente e constituem assim a identidade, são dois momentos que se determinam mutuamente. Cada pólo determina seu pólo contrário e lhe dá a determinação, sem a qual não seria nada. A tese da determinação mútua dos dois pólos de uma oposição é a principal característica da enantia platônica. A oposição entre os dois pólos que constituem a identidade não é algo estático, mas uma relação dinâmica de determinação mútua. Sem o quente não saberíamos o que é o frio. Mais. Sem o quente não existiria o frio. Veremos, em nossa segunda parte, que temos que levar em conta as infinitas gradações entre o quente e o frio.

   Essa relação da determinação mútua simbolizaremos como DDxy.   

 

Teorema 2 -  A Determinação dialética entre x e y ínsita na Identidade

   ("x) ("y) DDxy

 

1     ("x) ("y) (x = x  → ODxy)                       P - Postulação da oposição

2     ("x) ("y) (ODxy →  DDxy)                      P - Postulação da determinação

3     ("x) ("y) (DDxy → DIxy)                         P  - Postulação da diferença

4     ("x) ("y) (DIxy → IDxx)                          P  - Postulação da identidade

 


5     ("y) (a = a → ODay)                                 1 E "

6     (a = a → ODab)                                          5 E "

7      a = a                                                            I =      

8     ODab                                                           6, 7 MP

9     ("y) (ODay → DDay)                                 2 E "

10   (ODab → DDab)                                          9 E "

11   DDab                                                            8,10 MP

12   ("y) DDay                                                    11 I "

13   ("x) ("y) DDxy                                           12 I "

 

 

   Embora a identidade meramente formal – a identidade meramente lógica – tenha uma estrutura muito simples, a identidade dialética se constitui, como se vê, de vários elementos. Não há identidade no sentido pleno sem que haja dois pólos que se opõem e se determinam mutuamente. Mas um pólo sozinho não é completamente idêntico nem mesmo a ele mesmo.

 

 

 

 

3.   A identidade dialética, além de conter a oposição entre dois pólos e a determinação mútua entre estes, contém também a diferença dialética entre estes pólos.  O terceiro passo na demonstração é, pois, mostrar que toda e qualquer identidade, quando não puramente formal e sim dialética, além de seus dois pólos, contém a diferença. Quem diz a identidade de algo com algo, quem afirma a oposição entre ambos, afirma também a diferença. Isto significa que identidade contém sempre também a diferença entre os dois pólos que a constituem. Não há identidade com um pólo só; uma tal identidade se dissolveria porque lhe falta o outro pólo, o pólo diferente, sem o qual não pode subsistir, pois ele a constitui e determina. Chamaremos esta diferença de diferença dialética e a simbolizaremos como IDxy.

Teorema 3 – A Diferença ínsita da Identidade

  ("x) ("y) DIxy

 


1     ("x) ("y) (x = x  → ODxy)                       P - Postulação da oposição

2     ("x) ("y) (ODxy →  DDxy)                      P - Postulação da determinação

3     ("x) ("y) (DDxy → DIxy)                         P  - Postulação da diferença

4     ("x) ("y) (DIxy → IDxx)                          P  - Postulação da identidade

 


5     ("y) (a = a → ODay)                                 1 E "

6     (a = a → ODab)                                          5 E "

7     ("y) (ODay → DDay)                                2 E "      

8     (ODab → DDab)                                         7 E "

9     (a = a → DDab)                                           6,8 SH                 

10   ("y) (DDay → DIay)                                  3 E "

11   (DDab → DIab)                                           10 E "

12   (a = a → DIab)                                             9, 11 SH

13   a = a                                                              I =                              

14   DIab                                                             12,13 MP

15   ("y) DIay                                                     14 I "

16   ("x) ("y) DIxy                                            15 I "

 

 

   Não se pode, portanto, falar de identidade em seu sentido filosófico pleno, sem ao mesmo tempo afirmar a diferença que lhe é ínsita. Identidade, na Dialética, se diferencia dentro de si mesmo, formando novos pares de opostos. Daí surge o movimento do panta rei que caracteriza o sistema; voltaremos na segunda parte ao tema do movimento. Mas se diferença só existe entre pólos constitutivos de uma identidade, segue-se que, para um filósofo da tradição neoplatônica e para quem aceitar as demonstrações apresentadas acima, o Universo é um único, uno em sua substancialidade, uma Totalidade em Movimento. Tudo o mais são apenas dobras dessa substância única. Spinoza, dentre os neoplatônicos, foi o que melhor captou essa unidade do Universo como substância única. Mas todo sistema dialético (p.ex. Plotino, Proclo, Giordano Bruno, Schelling, Hegel) contém este elemento, sem o qual a multiplicidade ficaria sem a unidade que a organiza e rege.

 

                                                         

4.

 

   A esta altura da demonstração o filósofo analítico diria que conseguimos destruir completamente aquilo que ele chama de identidade. Mais. Diria que, ao destruirmos a identidade, chegamos a um resultado contrário àquele a que nos propúnhamos. Pois, cortamos, dissecamos, seccionamos de tal maneira a identidade que dela nada sobrou.

   Temos, sim, oposição entre dois pólos, determinação mútua entre eles, temos diferença, mas a identidade verdadeira, esta ficou dilacerada, morta como um esqueleto branquejando à beira do caminho. Onde está a identidade? Falamos sempre de x e y. Mas onde está aquilo que verdadeiramente nos interessa, a identidade de x com x. Lembremos, por oportuno, que não se trata mais aqui da identidade meramente formal de x = x, mas de uma identidade que seja filosoficamente bem pensada e que exista na Natureza. O predicado que utilizamos para esta relação de identidade é IDxx. Reparemos que não se trata mais de uma relação entre x e y, mas de uma relação entre x e x. Voltamos, assim, ao começo, ao conceito de identidade.

   O problema é que a categoria de Identidade dialética é um conceito complexo que contém dentro de si oposição, determinação mútua dos pólos opostos, diferença e, fechando o círculo, novamente, identidade. A categoria de identidade, em Hegel e nos neoplatônicos, não é algo simples, fixo e estável como a substância de Aristóteles e, assim da maioria dos lógicos, pois estes seguem – mesmo quando o negam – a Metafísica do Estagirita. A substância aristotélica é uma entidade que existe em si e de per si e que pode, então, num segundo momento, entrar em relação da oposição com outra substância que também existe em si e de per si. A oposição, na concepção aristotélica, é uma relação que, antes de poder existir e ser pensada, pressupõe a existência por assim dizer autônoma e auto-suficiente de duas substâncias. Em Hegel e nos sistemas dialéticos – sou também desta opinião – o Universo é uma substância única em movimento, ela se dobra e se desdobra, sem jamais romper sua unidade. Mais. Nos sistemas dialéticos, como este que estamos expondo, só existem relações, e não coisas [11] ou substâncias. Aquilo que pensamos ser coisas, entidades substanciais, na Dialética são apenas configurações

 

de relações. As relações existem antes de qualquer coisa ou substância; o que chamamos de coisas e substâncias são configurações de relações que, por serem mais ou menos estáveis, nos aparecem como sendo coisas. O que realmente existe não são coisas ou substâncias, mas as relações que as constituem. Identidade é uma relação, oposição é uma relação, determinação mútua é uma relação, diferença é uma relação. Tudo é relativo, exceto o fato de que tudo seja relativo. Absoluto é somente o fato de que tudo é relativo. Só o Universo como Totalidade em Movimento, como um todo, não é relativo. É por isso que a identidade dialética é este movimento circular que, partindo da identidade ainda pobre, passa pela oposição, pela determinação mútua, pela diferença, voltando assim à identidade agora enriquecida. Mas só esta identidade é a identidade plena, é aquela identidade sintética, em que os opostos foram superados e guardados, conferindo-lhe conteúdo. É este conteúdo que a livra da pecha de ser apenas identidade formal [12] . Identidade é, pois, a configuração de relações

 

acima descrita; para formalizá-la o melhor instrumento lógico talvez seja a conjunção. Assim surge o teorema da identidade dialética entre x e x. Observemos que é a primeira vez que um teorema, ao invés de falar de x e y, fala de x e x.

 

Teorema 4 – A Identidade dialética entre x e x

   ("x) ("y) ((ODxy Ù DDxy) Ù (DIxy Ù IDxx))

 

 

 

1     ("x) ("y) (x = x  → ODxy)                       P - Postulação da oposição

2     ("x) ("y) (ODxy →  DDxy)                      P - Postulação da determinação

3     ("x) ("y) (DDxy → DIxy)                         P  - Postulação da diferença

4     ("x) ("y) (DIxy → IDxx)                          P  - Postulação da identidade

 


5     ("y) (a = a → ODay)                                1 E "

6     ( a = a → ODab)                                        5 E "

7     a = a                                                           I =

8     ODab                                                          6,7 MP

9     ("y) (ODay → DDay)                               2 E "

10   (ODab → DDab)                                        9 E "                                      

11   DDab                                                         10,8 MP

12   ("y) (DDay → DIay)                                3 E "

13   (DDab → DIab)                                        12 E " 

14   DIab                                                          13,11 MP

15   ("y) (DIay → IDaa)                                  4 E "              

16   (DIab → IDaa)                                          15 E "

17   IDaa                                                          14,16 MP

18   (DIab Ù IDaa)                                            17,14 I Ù

19   (ODab Ù DDab)                                                                   8,11 I Ù

20   ((ODab Ù DDab) Ù (DIab Ù IDaa))                                      19,18 I Ù

21   ("y) ((ODay Ù DDay) Ù (DIay Ù IDaa))                               20 I "

22   ("x) ("y) ((ODxy Ù DDxy) Ù (DIxy Ù IDxx))                       21 I "    

 

   Completamos, aqui, a estrutura circular da categoria de identidade, onde o fim se reencontra com seu começo. Penso que para todos os lógicos e – por que não? – para todos os hegelianos a exposição foi simples e compreensível.

   O problema é que Hegel na Ciência da Lógica usa uma terminologia completamente diferente. Além disso, a estruturação do argumento é diversa. Hegel põe como tese a Identidade, como antítese, a Diferença. Da falsidade de tese e antítese, então, Hegel constrói a síntese que ele chama de contradição (Widerspruch). Contradição, em Hegel, não significa o mesmo que em Aristóteles e nos lógicos. Contradição, no livro Gama de Aristóteles, é a impossibilidade de predicar e não predicar o mesmo do mesmo sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo. Em Lógica, contradição é simplesmente (P Ù ~P); obtém-se a contradição pela afirmação e a negação da mesma sentença. Os quadrados lógicos em suas diversas formas, que conhecemos desde a Antigüidade.

   Em Hegel a relação de oposição, ínsita na categoria de Identidade, como aliás já em Platão, está mais perto daquilo que chamamos hoje de contrariedade. Mas o fato de Hegel ter usado consistentemente o termo contradição levou às maiores confusões. Hegel, com esse termo, queria dizer o que mais acima expusemos como a configuração circular da Identidade, mas muitos leitores de Hegel, já pouco depois de sua morte, imbuídos pela terminologia da lógica aristotélica, entendiam por contradição a contradição aristotélica. Se fosse assim, todo o sistema de Hegel – e o da maioria dos neoplatônicos – seria uma única e grande tolice. Pois quem diz e se desdiz, não está a dizer nada. Ou, na linguagem de Aristóteles: fica reduzido ao estado de planta, sem jamais poder falar.

   Se compreendermos, entretanto, contradição como a configuração circular das relações de identidade, oposição, determinação mútua, diferença e identidade, não há nenhuma afirmação que vá ao arrepio da boa doutrina lógica. Temos, porém, que ler Hegel [13] com o devido cuidado e usando na interpretação de seus textos o Principle of Charity: sempre

 

que ele diz a escreve contradição, devemos pensar na configuração circular da identidade acima exposta e demonstrada, ou ao menos, em contrariedade. A tradução correta de Widerspruch, em textos hegelianos, não é, pois, contradição, mas antes coerência. 

 

 

5.

 

 

   Foi feita, até agora, uma exposição da categoria hegeliana de Identidade, ou, para sermos mais exatos, da tríade Identidade, Diferença e Widerspruch. Sob o ponto de vista do método, esta é a coluna vertebral da Filosofia da Natureza de Hegel. Falta agora a abordagem de um tema tão importante quanto este: O movimento. Todo o sistema de Hegel e, em geral, dos filósofos neoplatônicos, é o de uma Totalidade em Movimento. Na exposição acima, já suficientemente complexa, evitamos tocar no tema do movimento. Mas sem este não há sistema dialético nenhum, nem mesmo a categoria da Identidade, pois para que na configuração de relações, que a constitui, uma relação se engate dinamicamente na outra, é preciso pensar junto com elas o movimento que lhes é interno.

   Vimos, em outro lugar, inclusive com formalização, que todo o sistema de Hegel é uma substância única, mas em movimento, dobrando-se e desdobrando-se em suas configurações de relação (implicari e explicari), de sorte a constituir as variegadas coisas do mundo em que vivemos. O sistema é uma Totalidade em Movimento.

   As formas platônicas [14] eram imóveis e eternas. Quando Aristóteles trouxe as formas para dentro das coisas, ele criou

 

um grande problema: Se as formas são imutáveis e estão como elementos constitutivos dentro das coisas, como pode haver movimento? O movimento existente nas coisas e entre as coisas, para Aristóteles, tornou-se uma grande questão filosófica. Como conciliar a imutabilidade das formas, constitutivas das coisas, com o movimento que estas apresentem? Aristóteles pensa ter encontrado uma solução satisfatória ao distinguir substância e acidentes, solução, aliás, tão simples que é até hoje defendida pela maioria dos filósofos: A substância das coisas, que é determinada pela forma imutável, pode nascer e perecer, mas não pode transformar-se: Ela é tão imóvel quanto a forma platônica. O que permite explicar a transformação que ocorre nas coisas é a composição existente nelas entre substância e acidentes: A substância das coisas á uma, única e imutável, os acidentes, no entanto, são aquilo que, sem que a coisa pereça ou sofra uma mutação substancial, transformam-se e constituem a mutação que observamos. Os acidentes de uma coisa mudam, a substância fica; é ela que garante a identidade da coisa no curso do tempo.

   Em Hegel as coisas foram dissolvidas em sua individualidade. O que existe como realidade realmente real (Wirklichkeit) é a substância única do Universo que, ela mesma, está em perpétuo movimento. Como um campo de forças na Física, a substância de Hegel é uma e única, mas está sempre a dobrar-se e desdobrar-se (implicari et explicari) em movimento, que constitui assim as diversas configurações de Identidade que, então, se possuem alguma estabilidade, chamamos de coisas. É por isso que os antigos forjaram o sentido do termo explicar: Ex-plicari é abrir as dobras da substância única e, assim, entender a configuração de uma coisa ou Identidade relativamente estável. Explicatio mundi é a teoria filosófica que, ao desdobrar as grandes dobras da substância única, consegue entender e explicar o Universo.

 

 

II. NATUREZA E MOVIMENTO

 

   O espaço à nossa disposição neste pequeno volume não nos permite uma exposição mais alentada e, principalmente, mais amparada por uma argumentação em Lógico simbólica. Nas páginas que nos restam tentaremos explicitar os mais importantes elementos do movimento em estilo extremamente conciso. Como é natural, partiremos do que foi exposto e elaborado na primeira parte, para introduzir filosoficamente as categorias de movimento, de quantidade, qualidade e tempo. Daremos ênfase à categoria de movimento, pois se esta for bem fundamentada, as restantes categorias se seguirão como que sem esforço especulativo maior. A concisão do texto, entretanto, exige uma leitura atenta.

 

1. A Identidade é uma configuração de relações que pode ser expressa de forma circular, pois cada relação é binária: identidade lógico-formal, oposição, determinação mútua, diferença, identidade. Assim fecha-se o círculo que começa com a identidade vazia e se encerra com a identidade enriquecida e cheia. – Trata-se, pois, sempre de Rxx ou Rxy.

 

2. O sistema exige que tudo esteja em movimento (Txy)[15]; logo também a identidade deve estar em movimento.

 

3. Se o movimento fosse neste caso apenas um movimento circular das relações que compõem a identidade, sem nenhuma alteração, havendo apenas uma replicação da mesma estrutura relacional que surgisse ao lado da primeira, não teríamos um sistema que fosse imóvel como a esfera de Parmênides. Pois, além do um, teríamos o dois. A esfera não seria mais una e única, mas apenas uma com outra ao lado dela. A Identidade, neste caso a esfera, seria sempre a mesma – por hipótese - qualitativamente. Teríamos o perpétuo retorno do sempre o mesmo (ewige Widerkehrt des Immer Gleichen) e não o mundo em movimento, cheio de transformações, em que vivemos.

 

4. Mas admitamos ad argumentandum: A primeira e mais simples forma do movimento, do qual emerge algo de novo, é o da replicação de uma estrutura relacional que se reduplica em uma configuração de relações exatamente igual. - Isso poderia, em princípio, ocorrer dentro ou fora da estrutura da Identidade primeva.

 

5. Como, no começo do pensar e do ser, não temos nada senão a relação de Identidade, não havendo nada fora dela, uma nova configuração de relações de Identidade só pode surgir dentro da Identidade maior. A Identidade maior e primeva, que é um círculo de relações, engendra dentro de si mesma uma outra Identidade, igual à ela mesma, ou seja, - aparentemente - com a mesma estrutura relacional. Um novo ovo surge de dentro do ovo primitivo e maior. – Há aqui, entretanto, uma oposição entre a Identidade primeva e a Identidade que dentro dela surgiu: Mudou aqui a relação de oposição. Aliás, como fora da Identidade primeva e inicial, que é o Universo, não há absolutamente nada, a primeira replicação da estrutura relacional de Identidade tem que se processar dentro do Universo. Pois fora dele não há nada, nada pode existir. Mudou, assim um dos elementos constitutivos da Identidade: a relação de oposição ficou mais complexa e, sendo a primeira Identidade determinante, ela transforma todas as relações seguintes. Além das configurações simples de identidade – oposição - determinação mútua - diferença - identidade, emerge uma nova e importantíssima oposição. A oposição entre a Identidade primeva, que é o Universo, ou seja, que é o Todo, e a Identidade segunda, que está dentro da Identidade primeira e não é o Todo, mas uma parte dentro do Todo. Surge aqui a relação entre a Parte e o Todo.

 

6. Temos, portanto, entre a primeira e primeva Identidade e a segunda Identidade dentro da qual surgiu uma enorme diferença estrutural. A Identidade primeva, sendo o próprio Universo, não pode ter nada fora de si. Ela não recebe nenhuma influência ou determinação que venha de fora. Neste caso o círculo da Identidade é fechado sobre si mesmo e não possui nenhum meio ambiente (Umwelt), no qual possa ser colocado e do qual possa receber uma influência de fora.

 

7. A segunda Identidade, entretanto, é um ovo dentro de um ovo maior que é a Identidade do Universo. Esta segunda Identidade é uma entidade que possui um “dentro” e um “fora”. É por isso que ela não pode ser igual à Identidade primeva: há outras oposições, há outras determinações. A configuração das relações que constituem a Identidade possui agora uma nova oposição, a oposição entre ela e a Identidade primeva. É assim que emergem o “dentro” e o “fora”. Por dentro ela é igual à Identidade primeva, para fora ela é completamente diferente, pois é uma entidade dentro de um meio ambiente (Umwelt). – Aqui surgem as questões se e quanto o meio ambiente influencia quantitativa ou qualitativamente a identidade menor que está dentro da identidade primeva, os problemas de input e de output. Em vice versa: Como e quando a emergência de uma nova Identidade, mesmo que secundária, dentro da Identidade primeva influencia e determina esta. – Acabamos de deduzir a diferença entre o Dentro (Inneres) e o Fora (Äusseres)

 

8. Suponhamos, agora, que se reitere o processo de engendramento de uma terceira Identidade dentro e a partir da Identidade primeva. Temos, então, a Identidade primeva, que é o Todo, e dentro dela duas novas Identidades que – suponhamos mais uma vez – possuam a mesma estrutura interna da Identidade primeva. – Já vimos que isso não é possível, pois mudando o elemento da oposição, toda a configuração muda também. Temos, pois, duas novas identidades, que talvez sejam iguais entre si, mas são estruturalmente diferentes da Identidade primeva. Estas duas novas Identidades – ou se alguém quiser subidentidades – estão em relação entre si? Mesmo que não se admita uma relação direta de uma para com a outra, elas estão em relação, uma para com a outra, mediante a relação que ambas têm com a Identidade primeva.

 

9. Essa replicação de Identidades secundárias dentro da Identidade primeva constitui a passagem da unidade da Identidade primeva, que é o primeiro princípio, para a multiplicidade de entidades ou seres. Ou seja, se compreendemos a Identidade como uma cadeia circular de relações e a pomos como o primeiro princípio do Universo, sim, como o próprio Universo, a própria estrutura daquilo que é Identidade põe o sistema em movimento e engendra, dentro de si, uma série de Identidades secundárias. Estas estão interligadas, no mínimo pela relação para com a Identidade primeva. – Inferimos aqui a Unidade e a Pluralidade.

 

10. Se as Identidades secundárias, entretanto, por sua vez, engendram novas configurações de Identidade, em breve teremos uma teia de Identidades, em que há também relações de uma subidentidade para com outra ou outras. Pois em cada caso surge uma nova relação de oposição e, assim, um novo círculo que constitui uma nova Identidade. – Objetar-se-á aqui que as subidentidades podem ter relações de oposição para com a Identidade primeva, mas não necessariamente entre si, de uma para com a outra. A resposta é simples: como a categoria de diferença pressupõe a categoria de oposição, as subidentidades não são apenas opostas, elas são diferentes entre si e, deste modo, interligadas. Desta trama de subidentidades origina-se a complexidade do mundo em que vivemos, com qualidades que originariamente provém da Identidade primeva, mas não estão nela expressas; uma infinidade de outras qualidades surgirão no decorrer do processo de evolução da Identidade primeira. Aqui surge o conceito de Nicolaus Cusanus de implicatio et explicatio.

 

11. Esta multiplicidade de subidentidades, todas elas subsistindo dentro da Identidade primeva e em última análise dela provenientes, por estarem em movimento, dão origem às duas principais categorias da Filosofia da Natureza: Quantidade e Qualidade. A Quantidade surge pela mera multiplicidade da subidentidades, a qualidade emerge porque cada subidentidade, em havendo uma mudança em sua relação de oposição, apresenta também uma configuração diferente de todas as outras. Dedução de Quantitade e de Qualidade.

 

12. O tempo é o processo de emergência e de desaparecimento das subidentidades. Que elas emergem, já vimos. Mas elas desaparecem? Sim, sempre que houver uma contradição interna, que pode surgir pela mudança na rede de oposições, ou uma oposição externa, coisa inevitável numa rede de relações tão complexas e em perpétuo movimento. O surgir e o desaparecer das subidentidades na teia das subidentidades constitui o tempo real. O prius et posterius aqui, neste mundo de mudanças e transformações tem como tempo real o que acontece na teia do Universo entre o surgir e o desaparecer de um ser ou coisa real. A não-identidade entre o surgir e o desaparecer, como fluxo processual, torna-se – por abstração – o tempo ideal vigente no mundo da pura qualidade e da pura quantidade. – Eis a derivação do tempo ideal. O tempo real é a distância real entre a quantidade real e a qualidade real do princípio até o fim deste movimento.

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13. A multiplicidade das subidentidades, já por sua origem, se organizam de forma piramidal. Como uma provém da outra e possui relações com suas colaterais, temos uma rede de parentesco semelhante àquela existente entre os homens. Fazendo a genealogia das subidentidades, conseguimos reconstruir a estrutura piramidal em que o Universo se organiza. Platão e os filósofos neoplatônicos tinham razão quando dividiam e subdividiam mas sempre voltavam ao Universo em sua forma piramidal. O erro cometido por Platão,. Plotino, Porfírio e outros consiste em pensar que a divisão que surge do primeiro princípio e desce o caminho da dialética descendente é sempre diádica; há também divisões triádicas e n-ádicas.

 

14. Se substituirmos os termos Identidade, acima utilizados, por Sistema, veremos que no que foi acima elaborado está exposta com relativa fidelidade o núcleo duro da Teoria de Sistemas de Bertalanffy [16] ,Luhmann [17] etc. Temos um

 

primeiro começo, o grande Sistema do Universo e, por evolução (exatamente de acordo com

 

as regras da Teoria da Evolução de Darwin) a multiplicidade das coisas do mundo em vivemos. Trata-se, pois, aqui de uma exposição da Teoria de Sistemas conjugada com a Teoria da Evolução, expostas ambas em outra terminologia.

 

15. Mas há também diferenças que não devem ser varridas para baixo do tapete. A Teoria de Sistemas tem, primeiro, uma grande dificuldade em explicar exatamente o que seja sistema. Cada autor parece utilizar um conceito diferente do dos outros; a confusão é, para dizer o mínimo, muito grande. É mérito de Geo Siegwart [18] haver tentado sistematizar as

 

diversas significações do termo sistema. Neste trabalho estamos introduzindo um sentido completamente diferente de sistema. Só viemos a utilizar o termo no fim do trabalho, depois de feita toda a elaboração dos principais conceitos de uma Teoria de Sistemas. Usamos, desde o início o termo Identidade, não só porque esta categoria é nosso ponto de partida teórico, mas para evitar confusões com as diversas significações atribuídas à palavra sistema.

 

16. O segundo motivo é, para nós, mais forte. Mostramos claramente de onde viemos e para onde vamos. Não utilizamos, de propósito, os termos lógicos de conjunto (M, Trägermenge), de estrutura (R, organização, ordem) e de S, que é aquilo que é organizado. Uma tal teoria, para nossa finalidade, não teria sentido, pois pressupõe pré-jacentes tanto a estrutura (R) como aquilo que é organizado (S). Para piorar as coisas, às vezes, o próprio conjunto (M, Trägermenge) é pensado como algo separado de R e S. – Foram colocados aqui, penso eu, os fundamentos teóricos últimos tanto da Teoria da Evolução como da Teoria de Sistemas. Ambas constituem, em minha opinião, a coluna vertebral da qual de originam e se alimentam todas as teorias particulares da Biologia.

 

17. Em nossa exposição partimos da análise do termo Identidade. Partindo da identidade meramente formal, como a Lógica a usa (x = x), fomos elaborando o círculo de relações que constituem a Identidade dialética: identidade lógica – oposição - determinação mútua - diferença - identidade dialética. Esta definição também não é arbitrária ou feita ad hoc, mas parte integrante de um sistema maior, de um sistema neoplatônico e neo-hegeliano devidamente corrigido e transformado. Só depois de elaborarmos os principais conceitos-chave é que sugerimos traduzir a palavra Identidade por Sistema. Esta ampliação das idéias centrais deste trabalho servem, de certo modo, como uma justificação filosófica in nuce da Teoria da Sistemas e da Teoria da Evolução.

 

 

 

 

 

 

 



[1] G. W. F. HEGEL, Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, in: Werke in zwanzig Bänden, ed. E. MOLDENAUER, K. M. MICHEL, Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, ed. 1981, vol. 8-10. Hegel será citado sempre de acordo com esta edição, que é mais acessível que a editio princeps do Felix Meiner Verlag, Hamburg. Onde houver divergências seguiremos – anotando no texto – que estamos seguindo a edição hamburguesa.

[2] Idem, Wissenschaft der Logik, ibidem vol. 5 e 6. A Ciência da Lógica será citada pela página, a Enciclopédia, pelo parágrafo.

[3] L. v BERTALANFFY, General System Theory, Braziller – New York, 1969.

[4] Ibidem p.IV e 10ss.

[5] Cf. C. CIRNE-LIMA, Dialética para Principiantes. Editora Unisinos: São Leopoldo,  3 ed.1996.

[6]  A .TRENDELENBURG, Logische Untersuchungen. Berlin, 1840, 2 vol.

[7] K. POPPER, Was ist Dialektik? (1940). In: IDEM, Logik der Sozialwissenschaften, ed. E TOPITSCH, Köln/Berlin, 1965, p. 262-290.

[8] C. CIRNE-LIMA, A verdade é o Todo. In: I. DOMINGUES, P.R.M.PINTO, R.DUARTE. Ética, Política e Cultura. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2002, p.247-267. Cf. WANDSCHNEIDER Grundzüge einer Theorie der Dialektik. Stuttgart: Clett-Cota, 1995. E. BERTI. La contradizione. Città Nuova: Roma, 1977.

[9] M. WOLFF, Der Begriff des Widerspruchs. Eine Studie zur Dialektik Kants und Hegels. Königstein, 1981. Cf. tb D. HENRICH. Hegel im Kontext. Suhrkamp: Frankfurt am Main, 1971. C.CIRNE-LIMA, Sobre a contradição. EDIPUCRS: Porto Alegre, 1993.

[10] Agradeço a Rodrigo Borges o grande auxílio na correção e revisão dos textos lógicos.

[11] Estas foram dissolvidas na segunda parte da Ciência da Lógica: die Auflösung des Dings.

[12] E. LUFT, Sobre a coerência do mundo. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2005.

[13] G.W.F. HEGEL, Wissenschaft der Logik, ibidem, p. 35-80.

[14] A doutrina das formas eternas existindo num mundo separado foi por ele mesmo refutada contra os “amigos das idéias” (oi filoi ton ideon), no diálogo Parmênides. No Timeu, Filebo e em outros textos da maturidade vemos como Platão concebe o Universo como movimento.

[15] C. CIRNE-LIMA e A. C. SOARES. Being, Nothing, Becoming. Hegel and us – a formalization. In: Filosofia Unisinos, vol. 6, nr.1 (2005) p. 5-39.

[16] L. BERTALANFFY, General, System Theory. Braziller: New York, F. KAPRA. O ponto de mutação. Cultrix: São Paulo 1982.

 

[17] N. LUHMANN, Soziale Systeme. Grundriss einer allgemeinen Theorie. Suhrkamp: Frankfurt am Main, 1985.

[18] G. SIEGWART. Verbete  “Systemtheorie” in: J. MITTELSTRASS er alii, Enzyklopädie Philosophie und Wissenschaftstheorie. Metzler: Stuttgart, vol. 3, col.190 ss.